O que fazer quando seu filho ou filha diz ser trans, de acordo com especialistas

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O que fazer quando seu filho ou filha diz ser trans, de acordo com especialistas

Maryhope Howland deu à luz um bebê que ela pensava ser um menino. Mas, aos 6 anos, a criança começou a fazer perguntas como “Mamãe, eu sou um menino? Como você sabe que eu sou um menino?”

“Quando eu me dei conta, disse: ‘Os médicos fazem uma melhor suposição baseada no seu corpo… mas só você pode saber, e nós te amamos não importa o que aconteça’”, disse Howland, agora co-líder da Families United for Trans Rights (famílias unidas pelos direitos de pessoas trans), uma organização de crianças transgênero e seus familiares.

O questionamento de seu filho não parou por aí. Isso marcou o início de uma evolução de anos, não apenas para sua filha, que se assumiu não-binária aos 8 anos e transgênero aos 10, mas também para Howland e seu marido enquanto navegavam o que significa ser trans, formas de afirmar a identidade de gênero de sua filha, suas responsabilidades como pais e o luto associado a “deixar ir uma ideia do que nossa vida seria”, disse Howland.

“Uma das coisas mais difíceis para nós, como pais, é pausar quando essa visão é interrompida e realmente ouvir o que nossos filhos estão nos dizendo”, disse Nova Bright-Williams, uma mulher trans que é chefe de treinamento interno no Trevor Project, uma organização de prevenção ao suicídio e crise para jovens LGBTQ+.

Ouvir a experiência de uma criança pode ser difícil para muitos pais, independentemente de suas crenças políticas ou religiosas.

Mas há uma boa razão para tentar. “Pesquisas mostram constantemente que jovens LGBTQ relatam taxas mais baixas de tentativas de suicídio quando têm acesso a espaços, comunidades e adultos que os afirmam”, disse Bright-Williams.

A CNN conversou com um médico, ativistas dos direitos de gênero e pais de crianças trans sobre o que dizer quando uma criança se assume transgênero, como enfrentar certos desafios e como é receber cuidados afirmativos de gênero. Aqui está o que eles querem que você saiba.

A conversa sobre se assumir

O filho da Reverenda Rachel Cornwell, Evan, foi designado como feminino ao nascer e mostrava aversão aos atributos da feminilidade. Quando Cornwell perguntou a Evan, aos 4 anos, se ele estava chateado por ter nascido menina, a resposta de Evan a chocou: “Sim, mamãe. Eu disse a Deus, quando eu era uma estrela no céu, que eu era um menino, mas Deus me fez uma menina, e agora eu só tenho que viver com isso.”

“Parece que meu filho sabia algo muito profundo e verdadeiro sobre si mesmo, e que ele tinha uma consciência de como sua identidade também estava envolvida em seu relacionamento com Deus”, disse Cornwell, uma pastora na Igreja Metodista Unida Dumbarton em Washington (EUA) e autora de “Daring Adventures: Helping Gender-Diverse Kids and Their Families Thrive” (aventuras desafiadoras: ajudando crianças com diversidade de gênero e suas famílias a prosperar), por e-mail. “Começamos a fazer terapia como família e, pouco depois de Evan completar 6 anos, ele decidiu que queria usar pronomes masculinos e um novo nome, a princípio apenas em casa.”

Cornwell inicialmente se sentiu surpresa e temia pelo bem-estar de Evan, o que é comum para muitos pais, disseram especialistas. Mas essas discussões também podem criar um momento de união alegre para as famílias, disse Kade Goepferd, diretor médico de saúde de gênero no sistema de saúde pediátrica Children’s Minnesota, nos Estados Unidos.

Também é comum que as revelações de uma criança sobre sua identidade de gênero proporcionem um senso de clareza e alívio para os pais que têm testemunhado questões comportamentais e de humor para as quais não conseguiam identificar uma causa, acrescentou Goepferd.

Outros pais sempre notaram que seu filho nunca se encaixou nas expectativas de gênero e sentem que a conversa é uma confirmação. Esse foi o caso de Cornwell, cujo filho preferia roupas, penteados e atividades típicas de meninos desde a pré-escola. Ele também começou a perguntar quando iria desenvolver seios e disse que, quando isso acontecesse, iria cortá-los fora.

Alguns pais querem apoiar seu filho, mas se preocupam se a identidade de gênero é resultado de uma fase ou se ele mudará de ideia mais tarde. Mas o consenso dos entrevistados é que, mesmo que a criança mude de ideia um dia — o que é raro —, tudo bem. Isso seria uma decisão decorrente da exploração de sua identidade de gênero, em vez de alguém tentar controlá-la.

“Realmente não há mal algum em afirmar ou amar nossos filhos quando eles compartilham conosco quem são”, disse Goepferd. “O dano realmente só pode vir se recusarmos a ouvir ou reconhecer a verdade que eles estão compartilhando conosco e o quão vulneráveis eles estão sendo.”

Rejeitá-los não só pode causar mágoa e raiva, mas também pode arruinar as chances de um relacionamento a longo prazo. Portanto, quando seu filho diz que é trans, sua primeira resposta deve ser agradecê-lo por compartilhar e aprender sobre a experiência dele, disse Bright-Williams. Diga que você quer conhecer mais sobre essa parte de quem ele é. Pergunte há quanto tempo ele sabe disso sobre si mesmo, com quem mais compartilhou sua identidade e como você pode apoiá-lo.

O filho de Jocelyn Rhynard, então com 15 anos, contou à família que era não-binário ao decorar um bolo que ele mesmo assou com a frase “Eu sou NB”. “Eu disse: ‘Isso é incrível. Parabéns’”, ela contou.

O filho de Rhynard mais tarde percebeu que é transmasculino não-binário e usa os pronomes ele/dele, e ele está bem com Rhynard chamando-o de seu filho. (Transmasculino não-binário significa que a identidade de gênero de alguém é não-binária, mas essa pessoa se apresenta de maneira tipicamente masculina com seu nome, estilo e outros aspectos.)

Se você sentir medo, preocupação, preconceito ou luto, processe isso longe do seu filho, disseram especialistas e pais, que também enfatizaram a importância de aprender sobre transgeneridade fazendo sua própria pesquisa. Não dependa apenas do seu filho para guiá-lo.

Formas de afirmação de gênero

Nem toda pessoa transgênero sente a necessidade de qualquer ou todas as formas de mudar sua expressão de gênero ou seu corpo, disseram os especialistas. Quando crianças mais velhas se assumem, elas geralmente já escolheram um novo nome, pronomes e mais.

Mas se seu filho não tem certeza de que tipo de apoio ou mudanças ele precisa, você pode ter conversas ao longo do tempo sobre quais escolhas estilísticas, hobbies e brinquedos o ajudam a se sentir mais ele mesmo, disse Bright-Williams. Muitas crianças não têm pressa para fazer essas mudanças, disseram especialistas e pais — algumas experimentam em casa por um tempo antes de estrear um novo estilo ou nome na escola, por exemplo.

Quando as crianças chegam à adolescência, algumas experimentam angústia com as mudanças puberais em seus corpos — o que pode ser aliviado por bloqueadores de puberdade que temporariamente pausam esses desenvolvimentos.

Uma coisa que ajudou Howland a se sentir mais confortável com sua filha começando a usar bloqueadores de puberdade aos 12 anos foi perceber que negar esses bloqueadores não seria uma decisão neutra, já que a puberdade é permanente — o que poderia ter consequências negativas para uma criança que não se identifica com aquele corpo.

Lidando com amigos e família

A resposta da família e amigos de Howland foi de apoio, ela disse. Mas Rhynard, descendente “de alguns dos primeiros mórmons”, não teve essa experiência.

“Tem sido difícil para nossa família extensa, alguns mais que outros”, disse Rhynard. “Alguns membros da família têm sido acolhedores e tentaram usar pronomes diferentes, mas ainda erram mesmo após alguns anos.”

Rhynard e seu marido tiveram que ter conversas realmente difíceis nas quais “dissemos: ‘Nosso filho vem em primeiro lugar, e gostaríamos que vocês fizessem parte de nossas vidas, mas vocês não podem chamá-lo pelo nome morto. Isso é doloroso demais para ele’”, acrescentou.

A filosofia de criação deles é baseada em humildade, aprendizado e crescimento, mas eles perceberam que não podem fazer todos aprenderem e crescerem com eles. Embora alguns relacionamentos familiares tenham se tornado tensos, Rhynard sabe que sua responsabilidade é para com seus filhos.

“Se nós os colocássemos no centro da conversa sobre nosso filho, não estaríamos mais colocando nosso filho no centro, a pessoa mais vulnerável da nossa família e a pessoa que temos a sorte de criar”, acrescentou Rhynard.

Para pais que estão lutando com relacionamentos familiares complicados, Goepferd recomenda encontrar apoio em outro pai de uma criança transgênero, um amigo de confiança ou um líder religioso compreensivo.

“Nós, como sociedade, colocamos muita pressão na aparência e em como as outras pessoas nos percebem”, disse Bright-Williams. Mas os pais têm o fardo de suportar essa pressão para que seus filhos não precisem.

Os pais têm que tomar esse tipo de decisão o tempo todo, ela acrescentou.

“Talvez seu filho seja birracial e algumas pessoas na sua família tenham um problema com isso”, ela disse. “Você gostaria que ele experimentasse esse tipo de preconceito ou ódio, ou você o protegeria ou abrigaria disso? Cabe a você criar um espaço seguro e afirmativo para seu filho.”

“Um raio político”

Esses pais disseram que seus filhos estão indo bem e que seu apoio levou a relacionamentos mais fortes e confiáveis com eles. Howland, Rhynard e Cornwell disseram que também mudaram — são mais aceitantes, de mente aberta e confiantes em proteger suas famílias.

“Ela está ótima”, disse Howland sobre sua filha, mas “continuamos esperando que o mundo mostre seu lado feio para ela. Ela está ciente de que pessoas trans são um raio político. Às vezes, ela diz coisas que partem meu coração, como ‘Há pessoas que me odeiam’ ou ‘Há pessoas que desejam que eu não existisse.’”

Howland e seu marido sabem que não podem proteger a filha de todas as notícias ou potenciais bullies. “Desesperadamente com medo de que minha filha não tenha proteções federais de direitos civis neste país”, Howland disse que até tem uma planilha dos países para onde poderiam se mudar se precisassem um dia.

Para deixar sua filha consciente e preparada, ela a expôs às questões em um contexto tão positivo quanto possível — como a vez em que a levou a um recente evento de arrecadação de fundos para Sarah McBride, uma mulher trans de Delaware que é a primeira pessoa transgênero conhecida a servir como senadora estadual e que agora está concorrendo ao Congresso.

“Eu digo a ela que é meu trabalho carregar isso agora, não o dela”, disse Howland. “E que ela está segura e que sempre faremos tudo o que pudermos para protegê-la.”

Nota do editor: No Brasil, a ONG Mães pela Diversidade é uma das instituições que oferece suporte e acolhimento para pais e mães de pessoas LGBTQ. 

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Este conteúdo foi criado originalmente em Internacional.

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