Pesquisadores da Universidade da Califórnia em São Francisco (UCSF) descobriram que a dieta cetogênica pode melhorar a resposta ao tratamento do câncer de pulmão. O estudo, publicado nesta quarta-feira (14) na renomada revista científica Nature, foi realizado em camundongos, mas pode trazer novas percepções sobre como a dieta pode atuar no tratamento da doença.
O estudo mostrou que, nos ratos que permaneceram na dieta cetogênica, a terapia contra o câncer conseguiu bloquear o metabolismo de gordura — fonte de combustível do câncer –, interrompendo o crescimento dos tumores. A descoberta foi feita enquanto os pesquisadores tentaram descobrir como o corpo consegue subsistir com gordura durante o jejum.
A dieta cetogênica é caracterizada pelo baixo consumo de carboidratos, pela alta ingestão de gorduras boas e ingestão moderada de proteínas. Entre os alimentos permitidos nessa dieta estão carnes, peixes, frutos-do-mar, ovos, oleaginosas, azeite e outras fontes de gordura naturais.
Dieta cetogênica faz células “morrerem de fome”
Os pesquisadores descobriram, primeiro, que uma proteína conhecida como fator de iniciação de tradução eucariótica (eIF4E) altera o metabolismo do corpo para aumentar o consumo de gordura durante o jejum. A mesma mudança ocorre também quando um animal está seguindo uma dieta cetogênica, graças a ação da mesma proteína.
Em seguida, eles descobriram que um novo medicamento contra o câncer, chamado eFT508, — que está sendo analisado em testes clínicos, atualmente – bloqueia a proteína e a via cetogênica, impedindo o corpo de metabolizar gordura. No entanto, quando os pesquisadores combinaram o medicamento com uma dieta cetogênica em ratos com câncer de pâncreas, as células cancerosas morreram de fome.
“Nossas descobertas abrem um ponto de vulnerabilidade que podemos tratar com um inibidor clínico que já sabemos ser seguro em humanos”, diz Davide Ruggero, professor titular da Goldberg-Benioff e professor pesquisador da American Cancer Society nos Departamentos de Urologia e Farmacologia Molecular Celular da UCSF, e autor sênior do estudo, em comunicado à imprensa.
“Agora temos evidências firmes de uma maneira pela qual a dieta pode ser usada junto com terapias de câncer pré-existentes para eliminar precisamente um câncer”, completa.
Como funciona o metabolismo de gordura?
O ser humano é capaz de sobreviver por semanas sem comida, em partes porque o corpo queima gordura armazenada. Essa queima acontece no jejum, quando o fígado converte gorduras em corpos cetônicos para usar no lugar da glicose, a fonte de energia normal do corpo.
Os pesquisadores descobriram que a proteína eIF4E no fígado se tornou mais ativa no jejum, sugerindo que ela está envolvida na produção de corpos cetônicos (cetogênese). Eles também descobriram que a proteína foi ativada pela presença de ácidos graxos livres, liberados pelas células de gordura no início do jejum, para dar energia ao corpo.
“O metabólito que o corpo usa para produzir energia também está sendo usado como uma molécula sinalizadora durante o jejum”, explica Ruggero. “Para um bioquímico, ver um metabólito agir como um sinal era a coisa mais legal”, afirma.
Como a dieta cetogênica pode reduzir o tumor no pâncreas, segundo o estudo?
Essas alterações no fígado – produção de corpos cetônicos pela queima de gordura, juntamente com um aumento na atividade da eIF4E – também ocorreram quando os camundongos receberam uma dieta cetogênica composta principalmente de gordura.
Diante dessa descoberta, os pesquisadores trataram o câncer pancreático dos animais com o medicamento eFT508, que desabilita a proteína eIF4E, com a intenção de bloquear o crescimento do tumor. No entanto, os tumores continuaram a crescer, sustentados por outras fontes de combustível, como glicose e carboidratos.
Sabendo que o câncer de pâncreas usa a gordura como combustível, e que a eIF4E é mais ativa durante a queima de gordura, os cientistas, então, colocaram os camundongos em uma dieta cetogênica, formando os tumores a consumirem apenas gorduras. Em seguida, eles forneceram o medicamento eFT508 para os ratos, o que cortou o único sustento das células cancerígenas. Isso fez os tumores encolherem.
“O campo tem lutado para vincular firmemente a dieta ao câncer e aos tratamentos contra o câncer”, comenta Ruggero. “Mas, para realmente conectar essas coisas de forma produtiva, você precisa conhecer o mecanismo”, completa.
Serão necessárias diferentes combinações de dieta e medicamentos para tratar mais formas de câncer. “Esperamos que a maioria dos cânceres tenha outras vulnerabilidades”, acrescenta Ruggero. “Esta é a base para uma nova maneira de tratar o câncer com dieta e terapias personalizadas”.
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