Enquanto grande parte do mercado vê com receio a proximidade entre o diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, e o governo federal, o ex-presidente do Banco Central (BC) Armínio Fraga aponta que o país tem a ganhar com essa parceria.
“Não acho que essa confiança que ele tem [do governo] seja um problema. Ela pode até ser usada para bem do país, da sociedade brasileira que não aguenta inflação”, comenta Fraga em entrevista ao WW.
Nesta quarta-feira (28), a indicação de Galípolo à presidência do BC foi oficializada em entrevista coletiva ao lado do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Uma das principais questões na relação entre a autarquia e o executivo nos últimos dois anos foi o ruído político entre o atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, e o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O mercado teme que agora, com um indicado de Lula, o BC possa se desviar do seu caminho. Mas Fraga reforça que os quadros da autarquia atuam com o objetivo de cumprir a lei, que no caso do órgão, demanda manter a inflação na meta definida pelo governo.
“A ideia da independência do Banco Central serviu para tirar essa história de baixar [os juros] ‘só um pouquinho’. Acho que o Brasil amadureceu nessa área. O Banco Central tem uma missão a cumprir, determinada pela lei da autonomia. O governo escolhe a meta e delega ao Banco Central a missão de levar a inflação a essa meta”, aponta o ex-presidente da autarquia.
Ele avalia que o Brasil tem hoje um tripé econômico perneta: a sustentabilidade do sistema depende de uma robusta meta para inflação, um câmbio flutuante e responsabilidade fiscal. Se uma perna fica bamba, as outras tendem a balançar junto. E é nesse ponto que entraria o ganho com a relação de Galípolo com o executivo.
“Há um aspecto importante que pode se beneficiar da confiança que o presidente Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, depositam nele, que é a crucial importância de se amarrar direito o tema fiscal”, indica Fraga.
Após o governo alterar a meta fiscal do ano que vem de um superávit primário para déficit zero, a perspectiva sobre as contas públicas tem deteriorado à medida que o governo segue ampliando gastos e encontrando dificuldades para cortá-los ou compensá-los.
Recentemente, Lula começou a dar maior abertura para o tema e avaliar junto da equipe econômica medidas para reduzir o rombo nas contas públicas. E para Armínio Fraga, Galípolo tem um papel importante nessa discussão.
“Ele pode dar um depoimento [sobre a sustentabilidade das contas públicas] que espero seja dado, entendido e aceito pelas autoridades”, indaga o economista.
“Isso é bom para um pais que tem esse histórico de inflação e confusão, que nunca trouxe prosperidade para ninguém.”
Por conta disso, Fraga aponta que não é de interesse do governo limitar a atuação do Banco Central, uma vez que minar o combate à inflação pode acabar minando a própria política do governo.
“Não seria uma ferramenta política interessante, porque a inflação pesa no bolso de todo mundo e afeta sobretudo os mais pobres. Uma política monetária irresponsável, além dos problemas já listados, teria um resultado político catastrófico”, argumenta.
Ele, que já ocupou a cadeira que Galípolo ainda pode vir a ocupar – a confirmação fica a depender da sabatina no Senado -, aponta que está esperançoso de que o sistema vai funcionar e de que as questões da área fiscal possam ser tratadas, mas ainda mantem o pé no chão ao lembrar que “só vamos saber quando ele lá estiver”.
“Se a confiança que o Banco Central deveria comandar for abalada por uma política monetária exótica, primeiro os prêmios de risco vão subir, a aversão vai ser acionada, e o Brasil vai conviver com restrições recessivas e inflacionárias”, explica Fraga.
“Hoje, não tiro nenhuma consequência ruim, ainda temos que esperar e dar chance para desenvolver o trabalho e avaliar”, conclui.
O que (e como) o BC pode fazer para derrubar o dólar?