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Os recentes episódios de complicações graves em pacientes submetidos a cirurgias em mutirões de catarata no Brasil, incluindo perda irreversível da visão e até remoção do globo ocular, acendem um alerta sobre a condução dessas iniciativas. O aumento dessas campanhas no país reforça a necessidade de diretrizes rigorosas e bem estabelecidas para garantir a segurança dos pacientes. Embora os mutirões sejam fundamentais para ampliar o acesso à saúde ocular, a falta de organização e controle adequados pode transformar uma solução em um risco, causando mais danos do que benefícios.
Globalmente, mais de 2,2 bilhões de pessoas têm alguma deficiência visual ou cegueira, sendo que metade dos casos poderiam ter sido prevenidos ou tratados, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, de acordo com o Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), surgem cerca de 550 mil novos casos de catarata anualmente e o número de cirurgias dobrou entre 2009 e 2019, para 602 mil. Entre março de 2023 e janeiro de 2024, o SUS realizou 4,2 milhões de cirurgias eletivas, um aumento de 19% em comparação com o mesmo período anterior. Ainda assim, a cirurgia de catarata liderava a fila de espera das eletivas do SUS no início de 2024, com mais de 147 mil pacientes aguardando atendimento.
A cirurgia de catarata é um dos procedimentos oftalmológicos mais realizados no mundo e, quando bem executada, possui um alto índice de sucesso. No entanto, a complexidade do procedimento exige uma abordagem meticulosa que transcenda a habilidade cirúrgica individual. Um mutirão de saúde não pode ser visto apenas como uma sequência de operações em larga escala; trata-se de uma verdadeira operação de guerra, que demanda planejamento estratégico minucioso e execução impecável.
Para orientar as boas práticas e garantir a segurança dos pacientes, o CBO divulga seu Guia de Mutirões de Cirurgias Oftalmológicas. O documento destaca a necessidade de protocolos rigorosos, desde a triagem e a preparação do paciente até a esterilização de equipamentos e a seleção adequada de lentes intraoculares. O uso de insumos descartáveis, a manutenção de ambientes esterilizados e a rastreabilidade de cada paciente operado são medidas fundamentais para evitar tragédias como as registradas em São Paulo e no Rio Grande do Norte.
Um dos principais desafios dos mutirões de catarata está na logística. Diferentemente das cirurgias realizadas em hospitais com infraestrutura controlada, esses procedimentos muitas vezes ocorrem em ambientes temporários, o que pode elevar os riscos. Erros na marcação do olho a ser operado, o uso inadequado de instrumentos ou falhas na esterilização podem comprometer irreversivelmente a saúde ocular dos pacientes.
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Além da questão técnica, é fundamental que gestores públicos e privados que organizam mutirões assumam a responsabilidade pelo cumprimento das normas de segurança. O planejamento deve ser estruturado de forma a garantir um fluxo ordenado de atendimento, permitindo que cada paciente receba a atenção necessária antes, durante e depois do procedimento. O acompanhamento pós-operatório é crucial para detectar e tratar eventuais complicações precocemente, reduzindo o risco de sequelas permanentes.
A falta de uma estratégia bem definida nos mutirões de catarata pode comprometer a credibilidade dessas iniciativas e afastar pacientes que precisam do tratamento. Casos de complicações severas reforçam a necessidade de um compromisso real com a qualidade e a segurança em todas as etapas do processo.
É imprescindível que o setor público, as instituições de saúde e os profissionais envolvidos trabalhem de forma integrada para garantir que os mutirões cumpram seu propósito de maneira segura e eficaz. Protocolos bem estabelecidos, fiscalização rigorosa e capacitação das equipes são medidas essenciais para evitar que mais pessoas tenham suas vidas impactadas negativamente por falhas evitáveis.
A ampliação do acesso à cirurgia de catarata é essencial, mas deve ser conduzida com responsabilidade. Mutirões bem planejados podem ser uma solução eficaz para reduzir filas e melhorar a qualidade de vida dos pacientes, mas o compromisso com a integridade dos procedimentos deve estar acima de qualquer outro objetivo, pois negligências nesse contexto podem resultar em danos trágicos e irreversíveis.
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