Angelina Jolie encarna as dores e alegrias do furacão Maria Callas

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Angelina Jolie encarna as dores e alegrias do furacão Maria Callas
MELANCOLIA - Angelina como Callas: a atriz encarna com vigor e elegância a cantora incomparável
MELANCOLIA – Angelina como Callas: a atriz encarna com vigor e elegância a cantora incomparável (Pablo Larraín/Netflix)

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Com dificuldade para dormir, Maria Callas aponta o principal culpado por sua insônia. “Adivinhe, feio e morto”, diz ela sobre o ex-amante Aristóteles Onassis (1906-1975), fantasma que lhe faz aparições no meio da noite. Vivendo em um luxuoso apartamento parisiense, com uma empregada e um mordomo, a cantora lírica é aconselhada pelos funcionários a procurar um médico e mudar sua medicação, provável fonte de alucinações. “Estou perfeitamente feliz com meus remédios e seus efeitos”, afirma de forma pausada e leve, interpretada com elegância por Angelina Jolie no filme Maria Callas (Maria, Itália/Chile/Estados Unidos, 2024), que estreia nos cinemas na quinta-feira 16. Realidade e fantasia se misturam no longa que imagina a última semana de vida da soprano que marcou o mundo da ópera: no dia 16 de setembro de 1977, Maria Callas morreu vítima de um infarto. Ela tinha apenas 53 anos — mas sua trajetória na música já era imensurável.

Orgulhosa demais, frágil demais: A vida de Maria Callas – Alfonso Signorini

Dona de uma voz poderosa, límpida e ágil, Callas adicionou fortes tons dramáticos à ópera, dando aos espetáculos uma veia teatral então inédita. Ela se tornou, ainda, a primeira grande estrela pop do gênero — o mais elitista reduto da música clássica —, e levou jovens a formarem filas para vê-la. Foi uma espécie de Taylor Swift operística, em suma. Advogou por pagamentos igualitários, teceu declarações polêmicas e irritou plateias ao desmarcar shows em cima da hora. Dar conta de tamanho mito era uma missão para a qual o diretor chileno Pablo Larraín tinha credenciais. Maria Callas fecha a “trilogia das divas” do cineasta, que se propôs a observar as idiossincrasias de mulheres de fama apoteótica em momentos de vulnerabilidade, com tramas de alto teor psicológico. A primeira a ganhar tal tratamento foi Jacqueline Kennedy, no filme Jackie (2016), com Natalie Portman no papel principal. Em seguida, foi a vez da princesa Diana, vivida por Kristen Stewart em Spencer (2021). Ao contrário das duas, que se tornaram conhecidas através de casamentos proeminentes, Maria foi uma persona completa em voo solo, admirada por seu talento acachapante na mesma medida em que era criticada por seu comportamento indomável.

ROMANCE CAÓTICO - Com Onassis: relação foi parte da ruína da artista
ROMANCE CAÓTICO - Com Onassis: relação foi parte da ruína da artista (Pablo Larraín/Netflix)

Nascida em Nova York, filha de imigrantes gregos de baixa renda, Callas teve o azar de ser criada por uma mãe tenebrosa — que, de volta à Grécia, prostituiu a filha mais velha durante a ocupação nazista e a “vendeu” aos soldados alemães que gostavam de ouvi-la cantar. Desde os 8 anos de idade, era submetida a aulas intensas de canto. Começou a se apresentar profissionalmente aos 17. Quebrou fronteiras com uma belíssima apresentação de La Gioconda na Arena de Verona, na Itália, em 1949. Foi lá que Callas conheceu o marido, Giovanni Meneghini (1896-1981), a quem deixou por Onassis, em 1959.

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Ponchielli: La Gioconda – Maria Callas [Disco de vinil]

Interpretado no filme pelo ator turco Haluk Bilginer, o empresário ricaço foi o grande amor e o pior pesadelo da soprano. Ciumento, Onassis tentou minar de todas as formas a carreira da cantora. Ludibriada, ela se deixou iludir pelo sonho de ter uma família e filhos — o que não ocorreu. A relação tóxica perdurou por anos, mesmo depois que Onassis se casou com Jacqueline Kennedy, em 1968, e manteve Callas como amante.

VIDA REAL - A verdadeira Maria Callas: fama de difícil e vozeirão
VIDA REAL - A verdadeira Maria Callas: fama de difícil e vozeirão (San Marco/Les Films Number One/Corbis/Getty Images)

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No recorte do diretor, o filme pincela os desejos e as frustrações da cantora, e privilegia uma fase na qual Callas, apelidada de La Divina, vive longe das glórias de uma divindade: para além do luto da morte de Onassis, ela lida com a solidão que se impôs em virtude da perda da voz. O vislumbre do período de reclusão, revelando uma mulher que caiu drasticamente do topo do mundo, foi concebido pelo roteirista Steven Knight após conversas com Ferruccio Mezzadri, fiel mordomo que cuidou de Callas por duas décadas, e é interpretado pelo ótimo ator italiano Pierfrancesco Favino.

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Devotado à cantora, o antigo empregado defendia que a fama de difícil de Callas era uma má interpretação dos que não a conheciam de verdade. Ao mesmo tempo, contudo, o filme expõe como a estrela nutria um desejo desmedido por adulação. Perdida em devaneios, Callas anda por Paris acompanhada de um jornalista imaginário chamado Mandrax (Kodi Smit-McPhee) — nome do remédio à base de metaqualona que ela tomava indiscriminadamente. Teorias sugerem que Callas sofria de uma doença autoimune não diagnosticada, que afetou o funcionamento de seus músculos e das cordas vocais, o que a levou a uma perda drástica de peso e ao ataque cardíaco. A despedida foi melancólica. Mas o legado da diva é imortal.

Publicado em VEJA de 10 de janeiro de 2025, edição nº 2926

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